Coluna dos Arquitetos: Joaquim Guedes #06




Joaquim Guedes (1932-2008)

Joaquim Manoel Guedes Sobrinho morreu aos 76 anos atropelado no dia 27 de julho de 2008 à noite, quando atravessava a rua em frente ao prédio onde morava há mais de 20 anos, na Avenida Nove de Julho, zona sul. Ele teve uma atuação decisiva na conformação da arquitetura paulista da segunda metade do século XX. Sempre curioso e a procura de informações novas projetou, com pouco tempo de formado, obras de grande maturidade. Suas experiências foram sendo aperfeiçoadas de acordo lançava mais projetos, num processo cumulativo que garantiu diversidade nas suas produções. Não ficou “preso” a nenhuma de suas descobertas, ele sempre buscou a versatilidade, porém rigoroso, que lhe possibilitou explorar uma linguagem arquitetônica rica, utilizando vários meios expressivos: formas prismáticas, fechadas e compactas, e também formas abertas, espalhadas e articuladas, utilizando concreto, tijolo, madeira, vidro e tudo o que fosse possível explorar de forma racional e econômica. Para ele o projeto não deveria ser um mero exibicionismo formal ou um desperdício e a beleza só poderia ser obtida com o desenho enxuto e limpo, fruto da solução correta das necessidades. Focava na resolução das questões essenciais, onde o excesso era desnecessário e impróprio, e buscava eliminar tudo que era acessório e explorava os materiais com as suas potencialidades. Todos os detalhes construtivos se tornavam elementos expressivos e marcantes do espaço interior o que determinavam o caráter de suas obras entre forma e conteúdo.

Guedes era de uma enorme sensibilidade na percepção espacial, sabia como aproveitar a transparência e a luz na criação dos espaços, propondo volumes translúcidos, porém de marcante destaque nos seus arranjos. Ele conseguia pensar na obra arquitetônica em um todo que garantia um projeto harmônico. Dentre as suas referências, Le Corbusier e Alvar Aalto foram certamente as mais válidas. Ele se encantou pelas teorias racionalistas dos ícones modernos acreditando na possibilidade de transformação da sociedade através do espaço que poderia ser construído e criado. Sentiu-se interessando, também, pelo sóbrio respeito ao mestre franco-suíço Le Corbusier, que dedicava ao processo de exploração dos materiais e das técnicas construtivas. Era mais interessado pelo idealismo de Le Corbusier e o seu processo de trabalho, do que das soluções formais ou das regras que estabelecia. Era fascinado mais pelas pesquisas sobre as técnicas, os materiais e os elementos construtivos de Le Corbusier do que pelas às teorias sintetizadas nos cinco pontos da nova arquitetura. 

Joaquim Guedes foi entre os poucos arquitetos brasileiros a se interessar pelo trabalho do arquiteto finlandês Alvar Aalto. Enquanto estudava ele teve acesso ao livro Storia dell’Architettura moderna, de Bruno Zevi, e afirmou: “Esse livro para mim foi sublime, foi com ele que descobri que meu desejo de invenção passava pela vida, pela maneira de viver”. Achava marcante Alvar Aalto pensar na arquitetura a partir dos problemas concretos da vida cotidiana, das reais necessidades de espaço e da exploração do uso dos materiais. Esse interesse pelo modo de projetar do finlandês foi para Guedes uma revelação decisiva na sua formação. Abandonou o discurso do homem abstrato e da arquitetura reformadora pregada pelas teorias corbusianas, a favor da arquitetura de Alvar Aalto, na qual o homem é trabalhado no plano real, na vida cotidiana, produzindo uma arquitetura para habitar e não para revolucionar, procurando criar condições de vida em vez de impor um padrão para a vida. A disposição de enfrentar desafios proporcionou-lhe uma autonomia, que fez questão de cultivar durante sua vida. Apesar do entusiasmo que alimentou por alguns arquitetos e professores, especialmente por João Vilanova Artigas, quem admirava pela sua honestidade intelectual, como arquiteto e como homem. Ele costumava dizer que Artigas era um modelo inspirador que o fascinava. 

Ele e Artigas mantiveram contato e troca de ideias que serviram de inspiração. No decorrer da vida, foi trabalhando com Lebret que Guedes compreendeu o papel da Economia, da História, da Filosofia e da Sociologia, tendo sido um excelente interlocutor da arquitetura com essas áreas do conhecimento. 

Um marcante ponto da arquitetura de Guedes vem da cuidadosa atenção que colocava nos detalhes, da sua preocupação pela textura adequada e pelos contrastes e harmonias que compunham o espaço. Ele tinha um imenso controle de todos os elementos que formavam o espaço, conseguia expor de maneira clara a complexidade de seu processo criativo. Ele optava pelas formas ortogonais e pelas linhas retas, sendo praticamente uma exceção em seus projetos a presença de linhas curvas, apenas em caráter experimental ou pela imposição de recursos técnicos, como para atender às solicitações da acústica. Para conseguir o efeito côncavo e curvo, Guedes se valia das linhas retas, criando-o através de uma sucessão de segmentos, num ritmo de composição até mais dinâmico do que aquele composto pela curva. Dificilmente encontraremos em quaisquer dos seus projetos, detalhes que não tenham alguma justificação racional e funcional. Cada forma tinha sua razão, que deveria estar diretamente relacionada às necessidades do dia-a-dia das atividades humanas.

Toda e qualquer referência a Guedes nos remete imediatamente as suas obras. Suas obras, independente da época de construção, escala ou programa, são fontes de inspiração. Uma delas é o projeto da casa Cunha Lima, construída em 1958, ele expunha o exercício de articular a solução estrutural a uma infinidade de detalhes. Sem a intenção de fazer um arrojado projeto estrutural, para ele, essa configuração foi à única solução possível para atender o programa em um terreno com marcantes características topográficas. Ele propôs através de atitudes orgânicas, um conceito estrutural inovador para a implantação em terrenos de declividade acentuada. O volume útil da casa em formato de um prisma é sustentado por quatro pilares centrais, que absorvem todos os esforços diagonais dos balanços dos pavimentos irregulares e, permitindo assim, total abertura da fachada para a melhor vista da casa. 

O partido arquitetônico se dá através de uma estrutura de uma árvore, com seus troncos e galhos, cujo desafio era a sua implantação no desnível do terreno e a menor interferência possível da estrutura na circulação das pessoas pelo espaço. O pavimento que está no mesmo nível da calçada, abriga externamente a garagem e internamente apenas um escritório e é responsável pela comunicação de todos os outros pavimentos. O pavimento que está no nível inferior localizam-se as áreas de serviço e de estar, e no pavimento superior os dormitórios. As grandes superfícies de alvenaria foram acomodadas na estrutura por meio de uma junta de dilatação, planejada para inibir as possíveis fissuras decorrentes das dilatações do concreto e da alvenaria, e essas juntas acabaram por colaborar a reforçar o contraste entre a rusticidade do concreto aparente e as superfícies brancas.  Lançou nesse projeto a versatilidade das venezianas dos dormitórios, que ora promovem a vedação e ora servem como proteção contra o sol, através de um sistema de contrapeso que permite que basculem até uma posição a 90º, e aí permanecendo estáticas, de maneira a constituírem uma barreira de insolação. Pensados conjuntamente à solução estrutural, os condutores de água fluviais substituíram as tradicionais calhas de zinco. 

Na residência Liliana Guedes, casa que projetou para sua família em 1968, nome dado por conta de sua primeira mulher, Guedes retomou as formas dos caixilhos. Nesta casa, situada também num terreno de forte inclinação, o plano principal da casa foi situado à meia encosta, abaixo do nível da rua, para minimizar seu impacto no local. Apoiada sobre quatro pilares, o programa se desenvolve praticamente num único plano. No nível do terreno somente o vestiário e um depósito e no nível da rua a garagem e um escritório. Nesta casa o desafio maior consistiu em determinar a modulação das nervuras da laje em função das dimensões das pranchas de compensado de madeira, de modo a garantir o melhor aproveitamento dos materiais. Largas abas de concreto aparente, de diferentes alturas e tamanhos, foram feitas para cumprir simultaneamente a função de proteção ao sol, e de terraços, proporcionando a ampliação dos espaços.

Materiais dimensionados segundo suas propriedades e necessidades, como quebra-sol, como acesso para a manutenção dos vidros, como proteção à caixilharia, ora em concreto, em madeira ou grelha metálica, tornaram-se uma forte característica de sua arquitetura. 

A casa de campo que fez em 1977, para a sua segunda mulher Ana Mariani, localizada em Ibiúna, é uma das obras exemplares de beleza da arquitetura. Procurando explorar a arquitetura rude, o resultado foi uma delicadeza de efeitos. É simples projeto de apenas 130 m², de programa singelo, mas num lugar de privilegiada paisagem. Numa homenagem a Alvar Aalto, Guedes explorou o tijolo em: vedação, piso e revestimento da estrutura de concreto, que associado à cobertura em telha de fibrocimento, ao forro e caixilhos convencionais em madeira. O projeto consiste em uma planta em “L”, sob um telhado numa única água, que aproveita o desnível do terreno, criando um pé direito de 4m. Tem uma grande abertura voltada para o nascente incorporando a rica paisagem à área de estar.

Joaquim Guedes em seus projetos urbanos constituem importante contribuição ao processo de urbanização e sobretudo no debate sobre a cidade brasileira. Entre eles, a cidade de Caraíba, iniciada em 1976, no interior da Bahia, foi um dos seus projetos mais amplos e completos, tendo sido destaque na Bienal de Santiago do Chile em 1992 como um dos oito projetos brasileiros mais importantes da década de 80. Ele foi o responsável pelo projeto urbanístico e arquitetônico, desde a sua formação até a supervisão da execução, dessa nova cidade que tinha previsão de 15 000 habitantes. Para Guedes, as condições geográficas e socioeconômicas da região eram fatores principais do projeto. O clima hostil, 75% da população de origem rural, a maioria analfabeta, ganhando menos de três salários mínimos, vivendo em um ambiente de trabalho intenso chamavam atenção dele. Seu maior objetivo foi tentar vencer a segregação social e espacial que marcam esse tipo de empreendimento e o conseguiu, tanto que foi merecida o seu destaque na Bienal já citada. 

Quanto à tipologia adotada na Caraíba, ele propôs 10 tipos de casas, arquétipos da moradia sertaneja: sem recuo frontal nem lateral apenas quintal nos fundos, sem beirais, com pé-direito de 2,60m, com possibilidades de ampliação por parte dos usuários. Esses poucos exemplos comentados neste texto são uma pequena parcela do seu rico legado arquitetônico deixado por ele. Sem dúvida, Joaquim Manoel Guedes Sobrinho foi um dos principais protagonistas da arquitetura moderna brasileira.

Manual do Arquiteto

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